Juntos pelo Sudoeste quer obrigar CCDR Alentejo a avaliar impacte ambiental das estufas no Parque Natural

Juntos pelo Sudoeste quer obrigar CCDR Alentejo a avaliar impacte ambiental das estufas no Parque Natural

Movimento Juntos pelo Sudoeste dá entrada esta semana com processo judicial para obrigar a CCDR Alentejo a submeter projetos de agricultura intensiva atuais e futuros a Avaliação do Impacte Ambiental

Juntos pelo Sudoeste quer obrigar CCDR Alentejo a avaliar impacte ambiental das estufas no Parque Natural

Por onde começar? Pelo miradouro junto a São Teotónio, onde se situa um posto de vigia de incêndios, e a partir do qual se pode ver grande parte da costa do concelho de Odemira, com as enormes manchas de estufas de plástico a brilhar ao sol, confundindo-se, de longe, com o brilho do mar?

Ou pela zona do Loural, que representa a maior concentração de estufas do Perímetro de Rega do Mira, com cerca de 300 hectares, sempre a crescer, qual mancha de óleo?

Ou por aquele cabeço antes da povoação costeira da Entrada da Barca, de onde se pode ver que a Driscoll, precursora da exploração de frutos vermelhos no Perímetro de Rega do Mira, tem as suas estufas instaladas quase até à beira das arribas?

Ou ainda naquela exploração agrícola a caminho da Praia do Carvalhal, onde, para instalar mais estufas, se secou e aterrou um charco temporário, que, por acaso, até é um habitat protegido, alvo de um projeto de conservação, onde se investiram 4 milhões de euros de um Projeto LIFE financiado pela União Europeia?

Ou talvez pelas traseiras das dunas da praia do Almograve, «que têm um papel primordial na dinâmica costeira» e «a proteger as zonas do interior dos ventos salinos e do avanço do mar», que foram rapadas de vegetação natural e cobertas por um enorme tapete de relva, dessa que depois foi atapetar o relvado de estádios de grandes clubes da Europa, como o Real Madrid? Aqui, a empresa promotora desta destruição do coberto vegetal da duna até foi multada, mas tratou-se de uma «multa mínima». E a duna lá está, limpinha, à espera de novo tapete de relva verde.

Ou, já que se falou em relvados e porque tudo isto precisa de muita água, pode começar-se pelo cruzamento de Vale Figueira, junto a um canal a céu aberto (como são todos), que transporta água da Barragem de Santa Clara, com enormes perdas e gestão alegadamente «ineficiente» por parte da Associação de Beneficiários do Mira?

Ou, nesse mesmo cruzamento, assistir à saída das centenas de pessoas, na sua maioria imigrantes de países asiáticos, que trabalham nas estufas, e que se deslocam de volta a casa a pé, de bicicleta, em carro próprio, em carrinhas, em autocarros? E ver que muitos destes trabalhadores migrantes vivem em aldeias de contentores, longe da vista porque situadas dentro das propriedades agrícolas vedadas, que geram efluentes, precisam de infraestruturas e podem manter-se (para já) por dez anos, tornadas legais pela Resolução do Conselho de Ministros 179/2019 de 24 de Outubro.

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Ou ainda pela estrada para a Azenha do Mar, onde hectares e hectares de estufas abandonadas deixam um rasto de plástico, lixo e degradação? Aqui, parece que aconteceu um cataclismo que fez desaparecer, de repente, toda a gente que ali trabalhava, deixando tudo para trás, parado no tempo.

E para trás ficaram dezenas de estufas, já com os plásticos a rasgar-se pela força do vento e do sol, com as suas filas ordenadas de plantas de framboesas, agora ressequidas e castanhas, centenas de caixas intactas de plástico ou de papel para acondicionar os frutos, quilómetros de tubos de várias dimensões, toneladas de estruturas metálicas não utilizadas, máquinas agrícolas, mesas, cadeiras e até casas de banho portáteis.

Tudo isto seria um tema importante, de reportagem, em qualquer parte do país. Mas está-se em pleno Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, que até está a fazer 25 anos, e nem se acredita que aquele território onde brilha o plástico das estufas, ao longo de 1600 hectares (número estimado, porque «ninguém tem números concretos»), é, de facto, uma “área protegida”. Protegida de quê?

«Todas as semanas há novas áreas de estufas, todas!», salienta Fátima Teixeira, membro do Juntos pelo Sudoeste – Movimento de Cidadãos de Odemira e Aljezur em Defesa do Sudoeste. Foi este movimento que, na segunda-feira passada, convidou jornalistas, nomeadamente o Sul Informação, «para conhecer de perto a realidade do que se passa para além do Parque Natural, o que se passa no lado B», como explicou Nuno Carvalho, outro membro do grupo.

Ao longo de uma tarde intensa, fez-se um percurso de cerca de 60 quilómetros que mostrou à exaustão o que já se adivinhava desde a criação do Parque: «estão aqui em conflito um perímetro de rega de 12 mil hectares, alimentado pela Barragem de Santa Clara, que se confunde com uma área classificada como Paisagem Protegida nos anos 80 e elevada a Parque Natural nos anos 90», o que obrigou o Estado Português a assumir «fortes compromissos ambientais, quer a nível nacional, quer a nível europeu, com a Rede Natura 2000».

Mas, sendo esta zona Parque Natural, não há restrições à expansão das estufas? Pelos vistos, não há. Primeiro porque, como salientou Mário Encarnação, outro dos elementos do movimento Juntos pela Sudoeste, «quem manda nesta área do Parque que está integrada no Perímetro de Rega do Mira não é o Instituto de Conservação da Natureza e Florestas, o ICNF, mas sim a Associação de Beneficiários do Mira (ABM). São eles que controlam tudo, efetivamente. O ICNF, aliás, tem tão poucos meios no terreno que, mesmo que quisesse fazer alguma coisa, teria muita dificuldade».

E, sendo as estufas e as outras formas de agricultura intensiva que continuam a expandir-se uma atividade com grande impacto no ambiente, os projetos não precisam de prévia Avaliação do Impacte Ambiental? Sim, responde Mário Encarnação, precisam, «se as áreas tiverem mais de 50 hectares. Só que, as empresas que promovem os novos projetos sabem disso perfeitamente e portanto fazem 45 hectares, mais 45 hectares, ou seja, dividem em parcelas sempre inferiores aos 50 hectares». Aliás, explicou, «basta que a propriedade seja de um lado e do outro da estrada e já consideram como duas parcelas».

«E assim se vai contornando a lei», frisa Nuno Carvalho.

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1600 hectares de agricultura intensiva (área estimada e sempre em crescimento) precisam de muita água, que é fornecida pela Barragem de Santa Clara. Após anos sucessivos de seca meteorológica, o nível desta albufeira é agora de 40 por cento e, a curto prazo, só resta mesmo rezar para que chova e volte a encher-se a barragem.

Mas Mário Encarnação chama a atenção para o problema estrutural da gestão da água. «30 por cento da água da Barragem perde-se, em fugas ao longo do sistema de canais, que são a céu aberto, e por evaporação. Há ainda as duas saídas para o mar, no fim do sistema, que é gravítico».

Em Espanha, recorda, têm sido feitos grandes investimentos nos perímetros de rega, transformando os canais a céu aberto em condutas tapadas, de modo a diminuir de forma significativa as perdas de água do sistema. E no Perímetro de Rega do Mira?

«Soluções existem, o difícil é avançar com elas. Há muito tempo que se fala de obras de modernização, mas nunca avançaram», salienta Mário.

E sabe-se quanta água se gasta? «Esses dados toda a gente pede, mas ninguém responde».

«A Barragem de Santa Clara é um projeto dos anos 50, montado nos anos 60, para uma realidade agrícola completamente diferente, em termos de agricultura, de consumo de água, até de clima», sublinha Nuno Carvalho.

Contra este estado de coisas, o movimento Juntos pelo Sudoeste recolheu 6 mil assinaturas numa petição, que entrou na Assembleia da República a 2 de Março e, segundo Sara Serrão, baixou à Comissão Parlamentar de Agricultura no início de Junho. «Os deputados têm 60 dias para dar seguimento à nossa petição, mas ainda não nos chamaram para sermos ouvidos», garante Sara, salientando que o movimento já enviou um email para tentar saber em que ponto se está.

«No âmbito dos nossos apelos e da nossa petição, já nos reunimos com Os Verdes, o PAN, o Bloco de Esquerda e o PS», acrescenta.

E o que pensa o movimento Juntos pelo Sudoeste do Grupo de Trabalho do Mira, lançado em 2018? Nuno Carvalho responde: «é um grupo hermeticamente fechado, que se reúne entre eles. Onde é que estão as associações? A participação local? Ninguém sabe de nada!».

Mário Encarnação acrescenta: «é tanta entidade reunida que nunca vai sair de lá nada de concreto». Pelo menos até agora, não saiu.

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Porque está farto de tanto estudo e tanta conversa, o movimento Juntos pelo Sudoeste resolveu agora avançar para as vias judiciais. O advogado Rui Amores explicou aos jornalistas que, em relação à questão da Avaliação do Impacte Ambiental, «ninguém está a ligar nada aos efeitos cumulativos» das diversas áreas, contíguas, de agricultura intensiva. «O ICNF nada faz», acrescenta, até porque apenas pode dar pareceres não vinculativos, apesar de os investimentos agrícolas terem lugar em área classificada como Parque Natural.

Entre 2015 e 2018, o ICNF «deu parecer positivo a 118 projetos agrícolas», «limitando-se a fazer alertas e a dar parecer condicionado». Ou seja, «ainda que havendo valores em conflito», foi «tudo praticamente favorável», acrescenta Rui Amores.

«Em 2016, a IGAMAOT [Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território] fez uma inspeção para avaliar em que condições estava a ser aplicado o Plano de Ordenamento do Parque Natural na zona do Perímetro de Rega e as conclusões foram arrasadoras!», salienta o advogado.

O Grupo de Trabalho do Mira, explica, «resulta das conclusões dessa inspeção», mas Rui Amores duvida que por lá se discuta mais do que «onde é que vão alojar os trabalhadores agrícolas».

O jurista recorda que a lei «dá a possibilidade» às Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) de «impor a Avaliação do Impacte Ambiental (AIA)». Por isso mesmo, o movimento Juntos pelo Sudoeste vai dar entrada, até ao final da semana, com um processo judicial, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja, pedindo à CCDR Alentejo que «imponha a Avaliação do Impacte Ambiental» dos projetos de agricultura intensiva, em estufas e não só, no Perímetro de Rega do Mira, ou seja, em grande parte no Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina.

Rui Amores garante que o processo de AIA «pode ser imposto a quem já está no terreno», «pode ser imposto aos que já cá estão e aos que vêm». O processo dá entrada no Tribunal «ainda esta semana», pelo que resta esperar pelas suas consequências.

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A acompanhar a visita dos jornalistas e ativistas, está Alfredo Cunhal Sendim, co-proprietário da Herdade do Freixo do Meio, perto de Montemor-o-Novo, onde tem desenvolvido um projeto estruturante de agroecologia, agricultura biológica, agrofloresta e soberania alimentar. É uma figura de referência no meio ambiental e da agroecologia a nível europeu. Aquilo que vê na visita vai-o deixando de coração apertado.

«Isto – diz ele apontando para o território à volta – não é um espaço para fazer negócio. Isto é a nossa casa! A terra é como a minha mãe: alguma vez eu posso pensar em prostituir a minha mãe, em pô-la na beira da estrada a render?»

Junto à Azenha do Mar, na tal grande área de estufas abandonadas, com plásticos a esvoaçar e enterrados no solo, montanhas de estruturas em metal a enferrujar, montes de caixas de cartão a desfazer-se, Alfredo lamenta: «tudo isto ficou abandonado e ninguém é responsável…e é isto um Parque Natural?»

Fontes: Elisabete Rodrigues | Sul Informação